João Pereira Coutinho
Escritor português, é doutor em ciência política. É colunista do
'Correio da Manhã', o maior diário português.
Palestinos e nazistas
Binyamin Netanyahu está errado: não foram os palestinos que ensinaram a
matança sistemática de judeus aos nazistas.
O Holocausto, como qualquer historiador sério sabe, não se refere apenas
ao período pós-1942, quando na Conferência de Wannsee se decidiu "a
solução final para a questão judaica" (é importante citar "questão
judaica" porque há sempre uns eruditos para quem o Holocausto não foi
especificamente pensado para os judeus).
O Holocausto abrange todo o período entre 1933 e 1945, ou seja, desde a
chegada de Hitler ao poder até a derrota do Terceiro Reich na Segunda Guerra
Mundial. E, nesse período, os nazistas não precisavam de lições de genocídio de
palestinos.
A partir de 1933, a perseguição e os assassinatos começaram; campos de
concentração foram erguidos na Alemanha; a partir de 1938, com a
"Kristallnacht", as matanças esporádicas tornaram-se rotina.
E, com o início da Segunda Guerra Mundial, os fuzilamentos em massa
passaram a ser o prato do dia. Um exercício que era demorado, psicologicamente
exigente (para a frágil saúde mental dos soldados do Reich, entenda). Era
preciso uma "solução" mais rápida e, digamos, "indolor".
A partir de 1942, ou seja, com a desastrosa campanha contra a União
Soviética (ou, para os eruditos, contra os seus aliados soviéticos, porque
nazistas e comunistas tinham um pacto desde 1939), começaram as primeiras
experiências químicas para matar judeus como quem mata baratas ou outros seres
rastejantes.
Quando os nazistas descobriram o infame Zyklon B (que, ironia macabra,
servia para matar baratas e outros seres rastejantes), estava encontrada a
chave para acabar com os judeus da Europa.
Isso significa que o líder árabe na Palestina –Haj Amin al-Husseini– é
inocente no antissemitismo assassino do mesmo período histórico? Também não.
Vamos esquecer, por motivos caridosos, o fato de Al-Husseini ter sido
considerado criminoso de guerra em Nuremberg e ter fugido para o Egito.
A pergunta fundamental é outra: por que motivo o "mufti" de
Jerusalém foi considerado um criminoso de guerra?
Não é preciso consultar obras de peso sobre o assunto. Gregory Harms e
Todd M. Ferry, apesar das suas simpatias pró-palestinas –repito:
pró-palestinas–, escreveram um excelente livro de introdução ao conflito
israelo-palestino que recomendo sempre a interessados –e a iletrados.
O retrato que ambos pintam de Al-Husseini resume-se a isto: o
"mufti" representa um dos maiores erros do Mandato Britânico da
Palestina.
Resumindo uma longa e complexa história, a partir do momento em que os
britânicos, nos escombros da Primeira Guerra, decidiram que a Palestina deveria
ser partilhada entre judeus e árabes, que já habitavam o território sob
administração do Império Otomano (império que desapareceu na guerra), os árabes
recusaram essa partilha. Assim começou, no essencial, a luta que dura até hoje.
Confrontado com essa violência, Londres acreditou que o
"mufti" de Jerusalém era a pessoa indicada para tentar sossegar os
ânimos.
Errou. Barbaramente. Al-Husseini não era apenas um antissemita
virulento, que incitava aos confrontos e desejava uma limpeza étnica na
Palestina.
Com o Terceiro Reich, o "mufti" estabeleceu relações de
amizade e cooperação com Hitler. Na Palestina, criou os "escoteiros
nazistas" (uma cópia da Juventude Hitlerista); recebeu apoio financeiro da
Alemanha e até da Itália para a luta contra os judeus; e quando, na Alemanha,
conheceu finalmente os campos de concentração, retornou à Palestina para também
construir um campo do gênero perto da povoação de Nablus.
O premiê israelense Netanyahu está errado. Não foi Al-Husseini quem
ensinou a lição a Hitler. O que aconteceu foi o contrário: na teoria e na
prática, o Terceiro Reich apenas deu alimento suplementar a um ódio ideológico
que já existia na Palestina.
Escuso de dizer que é esse o ódio que permanece até hoje. Porque o
conflito israelo-palestino não é, porque nunca foi, um problema territorial. É
um problema ideológico que não tem solução enquanto uma das partes olhar para
os judeus exatamente como Hitler olhava para eles.
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